No dia 11 de julho, meu aniversário, tive uma grande surpresa ao abrir o Instagram. Raphael Fraeman, autor de Krystallo, me convidou para conhecer seu projeto! Na hora me apaixonei, mas em meio a escola e outras obrigações me vi sem tempo para mais uma leitura. Até que o clube do livro que participo decidiu que o tema de novembro seria fantasia: aqui está a oportunidade perfeita!
Quantas guerras já começaram por conta de um homem estúpido que acredita ter mais poder do que realmente tem?
Você já começa a leitura sendo jogado no meio de um diálogo sobre um jogo político de guerra, ou seja, fiquei totalmente perdida. Confesso que deu um leve medo de a leitura inteira ser assim, mas logo essa confusão passa e você vai sendo inserido aos poucos em universo incrível. A fantasia é bem desenvolvida e dialoga com alguns aspectos da distopia, o que é perfeito para fãs de Harry Potter, Percy Jackson e Jogos Vorazes. Sério, se você gosta de pelo menos uma dessas sagas é impossível não amar Krystallo logo de cara.
Os personagens são muito bem construídos e a história gira entorno de Tomé e Gray. Tomé Stalmer é um jovem que leva uma vida média em Econ (mais pra frente vou explicar sobre os países e conflitos políticos). Curioso, ele questiona tudo e não se contenta com as informações limitadas que recebe, em especial quando se trata de questões sociais e políticas. O que Tomé não sabe é que sua vida mudará drasticamente após gravar por acidente um acontecimento estranho. Quando se dá conta, ele está além das fronteiras de tudo que conhecia, junto ao Esquadrão Delta.
Gray Frost, por sua vez, leva em Opus uma vida completamente diferente de Tomé. Esperta, esforçada e com uma inteligência acima da média, ela faz o que pode para ajudar sua família e ao mesmo tempo estudar para seugir seus sonhos. Até que, no seu aniversário de 16 anos, ela é sequestrada e vai parar em um navio chamado Katrina. Junto a Celina, outra jovem sequestrada, ela embarca em um navio pirata em busca de sua liberdade. Tomé e Gray são inteligentes demais para seu próprio bem e, direta ou indiretamente, agora estão envolvidos na luta política pela verdade.
A variedade cultural é um grande diferencial da história: cada mudança de cenário te leva para um lugar totalmente novo, com características únicas e desenvolvido de formas distintas. Com uma virada de página, vamos de personagens com a mais alta tecnologia para navios pirata, de criaturas mágicas e pistoleiros para ordens secretas e planos de dominação. Os cenários são riquíssimos, com os detalhes inseridos de maneira leve e sem perder o dinamismo
Por sinal, investir na variedade de cenários também permitiu
ao autor desenvolver melhor cada ponto do livro. Personagens secundários, que
pareciam não ter importância, ganham destaque conforme se envolvem na guerra.
De uma maneira muito natural, Raphael explorou diversos pontos de vista e deu ao leitor um entendimento mais amplo da situação. Como grande destaque, quero deixar Ricardo, irmão de Tomé, e
Maggie, melhor amiga de Gray. Só não explico melhor pra não dar spoiler
kkkk
Finalmente, chegamos no verdadeiro ponto alto do livro:
as questões políticas e sociais extremamente poderosas e bem trabalhadas. Coincidência ou não, o
âmbito político de Krystallo se assemelha muito à situação mundial
no século XX, vem comigo que eu vou explicar!
Tem muita coisa pra falar, muita mesmo, então vamos do começo: as duas superpotências de Emperon, o continente norte. Econ trabalha com um sistema capitalista, onde a desigualdade social é gritante. Nem um pouco parecido com os Estados Unidos, não? A partir de determinado nível da escola, só se é possível continuar com a compra de pacotes de estudo e, para ingressar na universidade, é necessário que todos os níveis estejam completos. Consequentemente, aqueles que possuem maiores condições financeiras terão um melhor estudo e entrarão nas universidades. Fica fácil ser a favor da meritocracia assim: aqueles com maiores condições sempre vão subir e os menos favorecidos serão cada vez mais marginalizados.
Quem não consegue emprego é quem não faz por merecer. É quem é preguiçoso e não trabalha direito. Por isso pessoas assim merecem ser desempregados, é o que todos no seu meio social repetiam.
Em Opus, não existem desigualdades sociais latentes. Todos
recebem salários semelhantes e possuem oportunidade de emprego, mas ninguém tem
moradia própria e pagam uma taxa ao governo. Além disso, as regras são mais
rígidas, todos devem respeitar o toque de recolher e a repressão à oposição é maior e menos velada. Creio que “ditadura comunista” é um bom termo para
descrever o país. Ou seja, encontramos nossa União Soviética.
Ambas atacam ideologicamente o sistema social da outra, rivalizando em uma corrida pelo avanço tecnológico com base nos cristais de energia. Nessa guerra política, cada governo exalta seu próprio sistema em detrimento do outro, deixando suas respectivas populações mergulhadas na ignorância sobre o que acontece fora de suas fronteiras. A situação se assemelha muito ao conflito da Guerra Fria, apesar de não termos uma tecnologia tão desenvolvida.
Voltando no tempo, para acontecimentos anteriores ao livro e à guerra ideológica, temos uma união entre Opus e Econ para derrotar Cratia. Cratia é um regime totalitário que acredita na superioridade de um grupo social perante os demais e busca conquistar os países vizinhos, além de estarem em posse dos cristais de energia. Tá, acho que essa parte poupa explicações: claramente é uma releitura do regime nazista e sua crença na superioridade da raça Ariana. Assim como aconteceu com o Eixo, Cratia e seus aliados foram derrotados e Ressol, seu líder, dado como morto (cof cof Hitler). O fim da guerra e a divisão territorial abriram caminho para a futura guerra ideológica.
Alguns aliados da Cratia, porém, não se renderam imediatamente. Do mesmo modo, o Japão continuou resistindo na 2GM. Em ambos os casos era um último esforço, mais movido pelo desespero do que pela vontade de ganhar, com um pouco mais de pressão os países teriam se rendido. E a solução, seja em Krystallo ou na vida real, foram as bombas atômicas. O uso dessas armas de destruição em massa funcionou como um método prático de acabar com a guerra e ao mesmo tempo provar o poder bélico das superpotências, assegurando seu poder e lançando um aviso a futuros inimigos.
Após serem assolados por bombas que afetaram tanto aliados quanto inimigos, os países de Parsagena (continente sul) ficaram totalmente a mercê de Econ e Opus. Nessas condições, foram forçados a acatar um tratado que os proibia de ter fontes de energia não limpas. Para as superpotências, cada uma com um cristal infinito de energia, isso não é um problema. Mas para uma Parsagena afetada pelo desfecho da guerra não houve solução. Os países do continente sul passaram a viver sem contato com a energia.
O Estado mente, manipula. A população, totalmente alienada, tem pouco interesse em saber mais do que a informação que já lhes é oferecida. Mentiras, medo, uma guerra eterna. Cada governante que sobe ao poder está inevitavelmente amarrado pelas decisões de seus antecessores. Assim como grande parte dos golpes de estado que iniciam uma ditadura, os Estados de Opus e Econ usam do medo como forma de manipulação em massa. Não importa se só tem um partido, como Opus, ou vários, como Econ, o próximo a subir no poder será sempre indicação do atual governante. 100 anos atrás um tratado foi assinado. O quando realmente se sabe sobre ele?
Como já disse, Opus e Econ estão em uma guerra infinita, onde um almeja o Krystallo do outro e ninguém está disposto ceder. Só que, para piorar, uma organização secreta pretende dar um golpe nos dois governos e assumir o poder. Eles são tipo um illuminati maligno, infiltrados por toda parte e sabem de absolutamente tudo. Com um discurso recheado de ideias radicais e segregacionistas, a Ordem do Dragão fazem lavagem cerebral na cabeça de jovens e adultos para que tenham liberdade de fazer tudo que queiram com o apoio popular. Eles são os resquicios ideológicos de Cratia, ou seja, representa os movimentos neonazistas/neofascistas.
Ele tenta justificar que a ideologia da antiga Cratia é a melhor que uma sociedade pode adotar porque é a única que coloca os seres humanos mais "desenvolvidos" no poder para controlar o Estado e assim servir a todos da maneira mais eficiente possível.
A dualidade “força-fragilidade” das democracias é evidente nos contextos políticos explorados pelo livro. Mentiras foram contadas, maquinações estão em andamento. A busca pela verdade está apenas começando. Será que todos estão prontos para encarar uma jornada além das fronteiras? Ir além das fronteiras não só físicas, mas também mentais?
Cheio de detalhes, reviravoltas e ação, o enredo foi construído com maestria. São pequenos detalhes, cenas que passam desapercebidas, tudo se encaixa no final e não sobram pontas soltas. Esse é um daqueles livros que te faz ficar grudado no enredo e, além de ser muito bem escrito, é muito crítico no que diz respeito a questões políticas e sociais, o que eu sou totalmente apaixonada. Muito ansiosa pela chance de adquirir meu exemplar físico e mais ainda para o segundo livro!
2 Comentários
Não conhecia o livro e achei mega interessante. Pela sua resenha dá pra perceber que o escritor estudou bastante para montar essa história com base em alguns fatos históricos, o que para mim deixou o livro ainda mais interessante. Vou colocar na minha lista do Skoob! Valeu pela indicação.
ResponderExcluirAaaa que bom que gostou! E lê sim, é incrível!
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