[Resenha] Loveless - Alice Oseman

Tudo bem, esse acaba de virar um dos meus livros FAVORITOS DE TODOS OS TEMPOS!

Representação aro-ace, personagens incríveis, Shakespeare e Scooby Doo??? Sim, sim, simm!

Mas.... essa resenha vai ser pessoal. Tipo, muito.

Ah, quem liga, o mundo precisa conhecer Loveless! Alice Oseman, pegue todas as cinco estrelas da galáxia, eu fiquei simplesmente VICIADA por esse livro!


* respira fundo e começa a escrever *


Georgia nunca beijou, se apaixonou ou teve um namorado. Logo ela, fã de fanfics, livros clichês e comédias românticas. A teoria é linda, mas por que a prática assusta tanto? Bom, o problema deve ser sua personalidade. Se ela for menos introvertida, o amor vai chegar na sua vida também.... né? E que lugar melhor para um novo começo que a universidade?! Rooney, sua nova colega de quarto, é tudo que Georgia deseja ser: extrovertida, flerta bem, sai toda noite, vai a festas e tem muitos amigos. Tudo parece tão simples, tão fácil! Por que ela não pode ser assim também? Será que ela ficará sem amor para sempre? Por sorte, seus melhores amigos estarão com ela nessa aventura.

Eu tenho muitos sentimentos sobre Loveless e não entendo nem metade deles, o que foi um dos motivos dessa resenha demorar tanto tempo pra sair. Precisei ficar um tempo fora antes de conseguir colocar tudo no papel. É meio difícil falar sobre esse livro sem contar sobre cada surto, colapso e crise existencial que eu tive enquanto lia (e escrevia, perceba-se pelo mini surto ali em cima). Quer dizer, pela sinopse eu já esperava me identificar com a Georgia em algum grau, mas ver minha vida e meus pensamentos narrados assim foi loucura!

Loveless não explora só a luta para entrar em acordo consigo mesma e a descoberta de que a falta de atração é realmente uma sexualidade, mas muito mais. A começar pela discussão muito necessária sobre a discriminação interna da comunidade LGBTQ+. Voltando de uma festa da Pride Soc (sociedade do orgulho), Georgia ouve seu college parent e o atual presidente da sociedade, Sunil, discutir com Lloyd, o presidente anterior, sobre quem deve ou não ser permitido na sociedade. Lloyd é um homem cis gay branco, e suas opiniões refletem o ponto de vista do que hoje pode ser considerado o pequeno, mas barulhento, grupo da “velha guarda” dentro da comunidade LGBTQ+. Ele menospreza as chamadas “identidades de internet” - dentre elas bigêneros e assexuais - , afirmando que não existem e são só modinhas para chamar a atenção. Sunil, entretanto, uma pessoa não-binária, homorromântica assexual e de cor (ele é indiano, se não me engano), chega em sua defesa:

‘You know what, Lloyd? Yes. Yes, I am. Because Pride Soc is inclusive, and open, and loving, and not run by you anymore. And because there are still sad little cis gays like you who seem to take other queers' mere existence as a threat to your civil rights, even freshers who are showing up here for the first time - some of them likely never having been to a queer event in their whole lives - just trying to find somewhere they can relax and be themselves. And I don't know if you're aware of this, Lloyd, because I know you don't recognize any pride flag that isn't the f*cking rainbow, but I actually happen to be one of those made-up internet identities. And guess what? I'm the president. So get the f*ck out of my formal.’

Perfeito, né? O Sunil é maravilhoso . Acho que a representatividade em Loveless foi muito bem trabalhada, com personagens de diversas raças, personalidades e sexualidades expondo seus pontos de vista. Vi por aí que algumas pessoas reclamaram ou se sentiram machucadas pela construção da Rooney como pan, mas não me sinto confortável para falar sobre isso por não ser meu lugar de fala. Se alguém quiser conversar sobre nos comentários, fique mais que a vontade!

Voltando para os personagens em geral, eu amo de paixão como eles foram construídos, são todos tão incríveis e tão simplesmente humanos... Cada um tem seus próprios problemas e batalhas para enfrentar, mesmo que não sejam protagonistas, o que deixa tudo mais real. Você cresce e amadurece com cada um deles e, quando o livro acaba, fica o sentimento agridoce de se despedir de um amigo próximo. De verdade, não me sentia tão órfã assim desde It.

Para completar, o relacionamento entre eles foi tão lindo de se ler! É uma amizade engraçada, realista, doce e verdadeira, que lança traços de cor e vida por entre as páginas. É difícil achar um livro onde amizades sejam o foco da narrativa, então isso foi como uma brisa de ar fresco. Você realmente se sente parte da Sociedade de Shakespeare, em um refúgio de cuidado e amor e amizade e gentileza. A escrita de Alice Oseman é delicada e ela soube retratar muito bem esse sentimento, fiquei toda boba e com o coração quentinho...

Jason, Pip e Georgia, assim como o próprio livro diz, têm uma amizade tão forte quanto qualquer laço romântico, se não mais. Sou totalmente apaixonada pelo jeitinho do Jason, ele é o meio termo perfeito para a timidez avassaladora de Georgia e o caos animado que atende pelo nome de Pip. Eles estão sempre juntos e se apoiando durante todos os altos e baixos da vida, não importa a situação. Confesso que me lembraram um pouco do meu próprio triozinho de amigas kkkk. A Rooney chega um pouco depois, então nós acompanhamos todo o nascimento e desenvolvimento de uma relação entre ela e a Georgia. E assim, que amizade! Provavelmente a minha favorita do livro todo, por mais que eu ame o trio. (tem tantas coisas que eu queria falar deles, mas seria spoiler e eu não quero estragar essa experiência pra ninguém, socorro)

Rooney stood next to me in the mirror. ‘Hm. We kind of clash, though. Red and pink.’
‘I think it’s a good clash. I look like an angel and you look like a devil.’
‘Yes. I’m the anti-you.’
‘Or maybe I’m the anti-you’
‘Is this a summary of our whole friendship?’

No começo, a amizade de Rooney e Georgia parece frágil, para dizer o mínimo, mantida pelo amor por Shakespeare e um quarto compartilhado. Mas, com o tempo, elas são capazes de quebrar os muros uma da outra e nós vemos algo mais profundo nascer . Quando isso acontece, Georgia percebe que há mais no costume de Rooney em dormir com alguém depois de uma noitada do que apenas diversão. E é nesse ponto que Alice Oseman encontra a deixa para explorar os efeitos duradouros que um relacionamento abusivo pode ter em alguém, especialmente em uma idade tão nova.

Durante o ensino médio, Rooney teve um namoro de três anos que a fez jogar fora toda a sua vida em favor daquele amor. Quando eles inevitavelmente terminaram, ela foi deixanda para trás, quebrada e sozinha. Centrar toda uma vida ao redor do parceiro é perigoso. Desenvolve dependência e nos deixa mais suscetíveis a manipulação emocional. A experiência da Rooney mostra que as mesmas pressões que machucam pessoas aro-ace também prejudicam alossexuais (pessoas que sentem atração sexual). A sociedade disse que, se ela amasse seu namorado, isso seria mais importante que qualquer outra coisa, inclusive suas amizades.

Acho que a gente tem uma visão muito distorcida do amor. Não necessariamente eu ou você, mas a sociedade no geral. Existe toda uma “indústria do amor” que planta essa idealização do romance, ela está nas músicas, naquele filme passando na TV, no feed do Instagram e nos personagens do seu livro favorito. Mesmo nas pequenas coisas, como uma troca de olhares e um esbarrar de mão. Nas folhas do outono e no calor do verão e nas flores de primavera e na neve que cai no inverno. Em todo lugar e a todo momento. Por mais lindo que seja, nem sempre isso é saudável. Nós crescemos com a ideia de que um dia encontraremos um príncipe (ou princesa) que nos levará para o mundo açucarado de arco-íris e unicórnios e algumas pessoas se machucam muito tentando manter uma realidade que nem sempre é assim.

Novidade? Não existe uma só forma de amar. E eu fico TÃO feliz em ver isso entrando cada vez mais em pauta (já fiz um post sobre o assunto, inclusive). Isso nos leva para a última parte da resenha: o que significa se sentir loveless, sem amor.

Logo no começo do livro, um acontecimento na festa de pós-formatura faz com que Georgia abra os olhos para o quanto nossa sociedade é construída ao redor do amor romântico e sexual. Ela enxerga isso na própria família, nos casais da universidade, na mídia que consome, nas pessoas da rua. Mesmo o aumento da representação (muito necessária) da comunidade LGBTQIA+ não mudou o roteiro, só que agora são casais queer no lugar de héteros. Encontrar um parceiro, se casar, alcançar uma vida estável, ter filhos. Talvez possa ter uma alteração aqui ou ali, mas isso é algo que cresce intrínseco à grande maioria de nós desde uma idade muito nova.

A única pessoa que Georgia vê desafiando toda essa estrutura é sua prima Ellis, uma artista de 34 anos e ex-modelo. Ela vive sozinha, nunca teve um relacionamento de longo termo e é constantemente alvo de piadas da família por isso. Essa dupla aparece em poucos capítulos, mas foi uma adição incrível e necessária para a história. Deu para Georgia uma prova de que alguém poderia ser como ela e ter uma vida satisfatória, de sucesso. Em troca, Georgia foi capaz de falar para a prima que ela não estava sozinha, que havia centenas de pessoas por aí que eram assim como elas.

‘But I’m older now. I’ve learnt some things.’
‘Like what?’ I asked.
‘Like the way friendship can be just as intense, beautiful and endless as romance. Like the way there’s love everywhere around me – there’s love for my friends, there’s love in my paintings, there’s love for myself. There’s even love for my parents in there somewhere. Deep down.’ She laughed, and I couldn’t help but smile. ‘I have a lot more love than some people in the world. Even if I’ll never have a wedding.’

Uma das mensagens mais importantes desse livro é que ser arromântico e/ou assexual não te deixa sem amor. Georgia transborda de amor por seus amigos e isso é tão importante quanto o amor romântico, se não mais. O espectro aro-ace é enorme, e Alice Oseman tomou tempo para retratar essa experiência em detalhes, não se limitando a história de Georgia. É perceptível o cuidado que ela teve, não só para com os leitores que poderiam se identificar, mas também para aqueles que talvez nunca tenham ouvido falar do espectro antes.

Loveless é uma história sobre autodescoberta, amor, apoio e a família que nós escolhemos ter. Tudo foi muito bem construído e não senti que algo foi resolvido de maneira fácil. Sem medo de tocar em assuntos delicados, mas sempre o fazendo com sensibilidade, Alice Oseman expõe a complexidade das relações humanas e mostra que todas as experiências assexuais são completamente normais e válidas. Eu poderia passar horas falando sobre meu mais novo livro favorito, mas prefiro deixar para Georgia e seus amigos incríveis te mostrarem.

Georgia e seus amigos incríveis vestidos de Scooby Doo te agradecem por ter lido até aqui ❤


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