Oioioii estrelinhas, tudo bem? Hoje eu vim falar sobre uma leitura que fiz no começo do ano e foi uma das primeiras resenhas que postei. Então, resolvi revisitar minha primeira experiência com Jane Austen e trazê-la para vocês, espero que gostem!
Em “Razão e Sensibilidade”, acompanhamos Elinor e Marianne Dashwood em seus dramas, amores e vivências. Após a morte do pai, todas as propriedades são deixadas como herança para um filho do primeiro casamento e elas são acabam por se mudar. Um parente distante oferece o chalé aos fundos de sua propriedade e é para lá que elas vão, junto à sua mãe e Margareth (a caçula). Não falarei muito mais do enredo, acho que aproveitarão mais da obra dessa forma. Então, vamos às nossas protagonistas!
As irmãs Dashwood são completamente diferentes. No que uma é razão, a outra é emoção. Elinor é ponderada e calma, o retrato do recato e gentileza. Com um jeito reservado, racional e maduro, ela pode ser considerada fria por não demonstrar abertamente seus sentimentos. Já Marianne, como quase toda adolescente de 17 anos, é emotiva, atrevida e inconsequente, com uma paixão ardente queimando dentro de si. Ela se entrega com total intensidade, sem medo de demonstrar o que sente, e conquista todos ao redor com sua personalidade viva e espontânea. Como podem perceber, cada irmã é um arquétipo para as palavras do título.
| Acreditem se quiser, mas foi uma série da Disney que me fez querer ler Jane Austen ("pessoas mudam pessoas", ai que saudade) |
Ao contracenar duas
personalidades tão conflitantes e arrebatadoras, Jane Austen fala sobre o
sentimento em cada modo de ser. Sobre a busca – mesmo que inconsciente – pelo
equilíbrio entre forças tão paradoxais. Olhe para a pessoa ao seu lado, ela é
razão ou sensibilidade? Seja como Marianne ou Elinor, introvertido ou
extrovertido, sereno ou intenso, no fundo todos amam e sofrem e vivem e buscam
pela felicidade. Como Yin e Yang, como noite e dia, acho que razão e
sensibilidade não existem um sem o outro. E essa é uma das lições mais
incríveis que o enredo traz.Entrando um campo mais subjetivo
da obra, gostaria de fazer uma pergunta: “Razão e Sensibilidade”, qual é o mais
importante para você? Cabeça ou coração? Elinor ou Marianne? Cada uma possui
sua própria forma de encarar o mundo, são tão opostas e tão iguais. Toda essa
discussão me lembrou de um dos meus sonetos favoritos: “Sempre a Razão vencida
foi de Amor”, de Camões. Se alguém se interessar, recomendo muito dar uma
pesquisada mais a fundo sobre seu significado.
Através dos pares românticos, também vemos a diferença entre amor e paixão em suas diversas formas. A paixão surge logo à primeira vista, mas se abala fácil e costuma ser momentânea. Já o amor em sua essência nasce com o tempo, é construído através da confiança e companheirismo – inclusive, acho que é por isso que o clichê “melhores amigos que se apaixonam” funciona tão vem). Mas não é só de amor romântico que vivemos, o amor fraternal e familiar é muito presente na vida das Dashwood. As três sempre se apoiam e permanecem juntas, acima de todas as dificuldades e desafios que a vida impõe.
"Não é o tempo nem a oportunidade que determinam a intimidade, é só a disposição. Sete anos seriam insuficientes para algumas pessoas se conhecerem, e sete dias são mais que suficientes para outras."
Aproveitando o gancho, vamos
falar de contexto histórico e críticas sociais. Jane Austen era uma mulher à
frente de seu tempo e com uma língua afiada, não tem como negar. São
protagonistas femininas, escritas por uma autora e tratando de assuntos
importantes para a mulher dá época. Isso por si só já é incrível, revolucionário
até, principalmente se considerarmos que Jane sequer podia assinar os próprios
contratos (essa tarefa pertencia legalmente a seu pai). E sim, o casamento era
um tema central na vida da mulher do século XVIII. Ter um bom casamento, ser
uma noiva prendada e dedicada ao lar, com filhos e um marido de alta renda,
tudo era mecanismos para se obter status e ascender na sociedade. Além disso, lá
pra depois dos 20 anos as meninas já seriam consideradas velhas demais para um
casamento, então deveriam se casar ainda na adolescência.
Jane Austen deixou sua marca na
história e na literatura ao criar personagens femininas inteligentes e donas de
si, cujas vidas eram limitadas pela opinião da sociedade sobre a posição das
mulheres na sociedade. Ela escreveu sobre o ambiente em que vivia, a nobreza
agrária, onde um bom casamento era a prioridade máxima da família. Desde
questões de herança, aparências e compromissos matrimoniais, nada escapa ao
olhar lúcido e sagaz de suas protagonistas.
A forma como a autora trabalha suas críticas também é incrível e merece muito reconhecimento. Tudo é construído de forma sutil, classes sociais inteiras eram criticadas utilizando-se apenas do comportamento de determinado personagem. Ela era crítica e por vezes ácida, mas nunca militante. E isso é simplesmente genial. Ao tecer críticas sociais escondidas em histórias de amor, Jane Austen subverteu o sistema e fez circular o que pensava. Pesquisando um pouco mais descobri que Helena Kelly, professora de literatura em Oxford, escreveu um livro sobre o assunto: Jane Austen, the secret radical. Vou deixar aqui um trecho de uma entrevista dada para a revista Cult:
"Não estou tentando sugerir no livro que a autora esteve à frente em manifestações ou em barricadas, ou que ela agisse no dia-a-dia de forma muito diferente das mulheres de sua época. Eu digo que ela é “radical” levando em conta o contexto em que ela viveu e no qual escreveu, os anos 1790. Ela se interessava em explorar as normas, os costumes e os dogmas da própria cultura inglesa de classe alta, e a desconstruí-los com sua escrita para ver se eles eram de fato funcionais."
Sobre o texto em si, não tenho muito do que reclamar. A narrativa é em terceira pessoa, as descrições são impecáveis e os diálogos foram muito bem construídos. Como o desenvolvimento é lento, o livro pode desagradar aqueles que preferem um ritmo mais acelerado, mas eu gostei. Acho que dessa forma todos os pontos, especialmente a personalidade das irmãs Dashwood, puderam ser desenvolvidos de forma mais completa. Outra coisa é que a escrita não é tão difícil quanto se espera de um “clássico antigo”.
Para seu primeiro romance, Jane Austen escolheu duas linhas de pensamento muito complexas para abordar, bem como a consequente dicotomia entre elas. Não se trata de um romance banal, mas sim algo profundo e dotado de significado. Sem dotes a oferecer, Elinor e Marianne não tem boas oportunidades para um casamento. Mas a sinceridade de seus sentimentos e a lealdade em seus corações se revela contra a hipocrisia de uma sociedade feita de bens materiais. Sendo hábil e sutil comentadora política, Austen construiu um clássico que se mantém relevante para a literatura mundial mais de dois séculos depois.
| A edição da editora Pé da Letra ficou simplesmente linda! |
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